Produção de metano por ruminantes: como ocorre e como reduzir as emissões?

Postado em: 20/11/2019 | 13 min de leitura Escrito por:
Os gases CO2, CH4 e o óxido Nitroso (N2O), são responsáveis pela manutenção da temperatura média de 16-18ºC na terra, promovendo o chamado "efeito estufa". No entanto, é grande a preocupação mundial em relação às mudanças do clima do planeta, muito evidente nas últimas décadas, uma vez que estudos revelam que a concentração desses gases tem aumentado em proporções assustadoras. A principal consequência, dentre outros, é o "aumento do efeito estufa", onde uma maior quantidade de raios infravermelhos é absorvida, causando desequilíbrio energético.

A pecuária é considerada uma das responsáveis pelo efeito acima devido à produção de metano pelos ruminantes. A produção de gás metano (CH4) entérico pelos ruminantes é dependente principalmente do tipo de dieta disponível aos animais e do nível de ingestão, mas também pode ser influenciado pelo tamanho, idade e espécie do animal.

Um aspecto marcante do rúmen é a característica de possuir uma alta densidade e diversidade populacional de microrganismos que são capazes de sintetizar diversas substâncias, como o gás metano que é produzido pelos microrganismos metanogênicos. Como este gás não é metabolizado no organismo animal a maior parte dele é removida durante o processo de eructação que é essencial para a manutenção do adequado balanço ruminal.

Dentre os microrganismos capazes de sintetizar o metano, os de maior importância são as bactérias metanogênicas pertencentes ao reino Archaeobacteria. Contudo, outro grupo importante de organismos eucariontes metanogênicos são os protozoários que representam cerca de 50% de toda biomassa microbiana e são responsáveis por 25% da atividade celulolítica do rúmen e podem constituir até 20% de todos os microrganismos metanogênicos.

Outra forma de eliminar o metano é através do processo de respiração, de forma que este gás pode ser absorvido pela parede ruminal e entrar na corrente sanguínea e ser emitido à atmosfera. Porém, pesquisas mostram que apenas cerca de 30% do metano é eliminado por esta via.

Metanogênese

O rúmen é considerado um ecossistema microbiano diverso e único. Seu meio é anaeróbico, com temperatura entre 39 - 42ºC, pH que varia normalmente entre 6,0 e 7,O, e com a presença de três tipos de microrganismos ativos: bactérias, protozoários e fungos.

Dependendo do tipo de dieta fornecida e o tipo de substrato utilizado as bactérias, que representam a maior parte da biomassa microbiana ruminal (60 a 90%), e podem ser classificadas em fermentadoras de carboidratos fibrosos e não fibrosos, proteolíticas, lácticas, pectinolíticas, lipolíticas, ureolíticas e metanógenas.

Contudo, existe outro importante grupo de microrganismos, os protozoários. Estes de desenvolvem em pH ruminai superior a 6,0 e são considerados microrganismos benéficos ao moderar a fermentação amilolítica, permitindo o controle do pH. Além disso, o grupo dos protozoários ciliados é responsável pela digestão de 34% da fibra.

Os microrganismos metanogênicos, bactérias e protozoários, obtém energia para seu crescimento através da redução de substratos principalmente o H2 e formato, mas outros compostos como CO2, metanol, mono, di e tri-metilamina e acetato também podem ser requeridos.

A degradação dos componentes dietéticos pela microbiota ruminal, principalmente carboidratos, resulta na produção de ácidos graxos voláteis de cadeia curta (AGV) como acetato (C2), propionato (C3) e butirato (C4) usados pelos ruminantes como fonte de energia.

Nesse processo fermentativo são produzidos gases como o C02 e CH4 que são eliminados para o ambiente por meio da eructação.

O processo de fermentação é oxidativo (via da glicólise), gerando co-fatores reduzidos como NADH, NADPH e FADH que precisam ser re-oxidados para que o processo de fermentação não seja inibido. A etapa de re-oxidação ocorre por meio de reações de desidrogenação, liberando hidrogênio no rúmen (Figura 01).



Figura 01. Fermentação de carboidratos por Ruminococos albus na presença e na ausência de metanogênicas.
Fonte: Adaptado de Hobson (1988).

Por ser uma rota aceptora de elétrons, a metanogênese permite remover continuamente o H2 (gasoso) produzido no rúmen, assim a formação de metano é essencial para o ótimo desempenho do ecossistema ruminal, porque impede o acúmulo de H2 no rúmen, o que poderia levar à inibição da atividade desidrogenase, envolvida na re-oxidação dos cofatores reduzidos e afetar o processo de degradação da fração fibrosa do alimento.

No entanto, a produção de metano não é equivalente para todos os ácidos graxos voláteis (AGV) produzidos. Em função do comprimento de cada cadeia ocorrem liberações diferentes de H2 ocasionando produções diferentes de CH4(Figura 02).


Figura 02. Produção de metano em função do tipo de AGV.
Fonte: Van Soest (1994)

O gás metano, além do potencial de aquecimento global, 25 vezes maior do que o CO2, gera perdas econômicas para os sistemas de produção animal, pois entre 6 - 18% da energia bruta é perdida nesta rota durante o processo de fermentação.

Estratégias de mitigação da produção de metano na pecuária

A produção de metano nos ruminantes é influenciada por diversos fatores, alguns intrínsecos ao animal, como tamanho, categoria (carne ou leite) e eficiência alimentar, por exemplo, e outros extrínsecos relacionados a dieta, como composição da dieta, digestibilidade dos nutrientes, presença de compostos antinutricionais e, ou outros compostos que possam influenciar a microbiota ruminal.

O H2 é o principal precursor para a síntese de metano. Por ser naturalmente produzido no rúmen durante a fermentação dos compostos dietéticos é de suma importância que a pressão deste gás se mantenha reduzida, permitindo a re-oxidação do NADH levando a produção de AGV. Desta forma, qualquer estratégia adotada deve ter como foco um ou mais dos objetivos abaixo:

• Redução da produção de H2 sem prejudicar a digestão dos alimentos;
• Estimulação da utilização do H2 por meio de vias de produção de produtos alternativos benéficos para o ruminante;
• Inibição das Archeae metanogênicas (número e/ou atividade), com concomitante estímulo de vias que consomem H2 para evitar os efeitos negativos do aumento da pressão parcial de H2 no rúmen.

Composição e qualidade da dieta

A principal estratégia para a redução das emissões de metano em sistemas de produção animal é simplesmente melhorar a qualidade da dieta. O modelo Tier 2 do IPCC para estimar a perda de energia na forma de metano assume que animais em confinamento (alimentação à base de grãos) perdem 3,5% da energia bruta ingerida com a produção de metano, enquanto que animais em sistemas de pastejo (alimentação à base de forragem) perdem 6,5% da ingestão de energia bruta. Pesquisas mostram que há uma forte relação entre a ingestão e produção de metano.

A produção de bovinos em pastagens, principalmente em ambientes de clima tropical, apresenta elevada emissão de metano entérico comparado com sistema de confinamento. Isso, pois o principal constituinte da dieta, a forragem, nesses ambientes, possui maiores proporções de fibras estruturais (celulose, hemicelulose e lignina) que favorecem a fermentação acética.

Entretanto, as características das gramíneas C4 podem conduzir a diferentes interpretações quanto ao potencial de fornecimento de substrato para fermentações que geram metano no rúmen. Por apresentaram fibra de baixa digestibilidade e, consequentemente, menor taxa de passagem no trato gastrointestinal, quando comparado com forrageiras de clima temperado, por exemplo, fornecem menor quantidade de substrato para os microrganismos metanogênicos.

Uma das alternativas para reduzir o efeito da produção de metano pelo consumo de forrageiras de clima tropical é por meio da implementação de práticas de manejo do pastejo que possibilitem melhorar o valor nutricional da forrageira, favorecendo a digestão da fibra e aumentando a taxa de passagem do alimento, com incremento sobre o desempenho animal. Inicialmente, associado ao aumento no desempenho, projeta-se um aumento nas taxas de emissões de metano. Contudo, quantidade de metano produzido por unidade de produto (leite ou carne) é reduzida se a produção ou crescimento do animal é aumentado.

O fornecimento de concentrado na dieta também favorece a redução nas emissões de metano. Isso, porque a fermentação do amido, principal constituinte em dietas ricas em concentrado, propicia a produção de propionato, que inibe o crescimento de bactérias metanogênicas. Dietas contendo entre 30 e 40% de concentrado apresentam perdas de CH4 relativamente constantes (6 a 7% da ingestão de energia bruta), mas reduzem acentuadamente para valores de 2 a 3% da ingestão de energia bruta em dietas com 80 a 90% de concentrado.

Contudo, nem sempre ocorrem reduções na produção de metano em animais alimentados com dietas ricas em concentrado. Nessas situações, a redução da emissão de metano pode ser explicada pela queda do pH ruminal e declínio do número de protozoários ciliados. O baixo pH ruminal também pode inibir o crescimento e/ou atividade das metanogênicas e bactérias celulolíticas.

No entanto, deve-se pensar no impacto ambiental como um todo, pois o fornecimento de dietas a base de grão favorece as emissões de outros gases, como óxido nitroso e dióxido de carbono, devido ao incremento do uso de fertilizantes e combustíveis fósseis para a produção e transporte destes grãos. Além de que os grãos utilizados em confinamento (milho e soja, principalmente) são alimentos nobres e amplamente utilizados na alimentação humana.

Suplementação com lipídio na dieta

Existe uma grande evidência de que a suplementação com lipídeos (excluindo aqueles protegidos da digestão ruminal) é uma das maneiras mais efetivas de redução a emissões de metano entérico pelos ruminantes.

Existem diferentes mecanismos pelo qual os lipídeos reduzem a produção de metano. O incremento de lipídio na dieta, reduz a quantidade de matéria orgânica fermentável no rúmen, já que os lipídeos não são fonte de energia para as bactérias ruminais, reduzem o número de protozoários associados à metanogênese, efeito tóxico sobre microrganismos metanogênicos exercido por ácidos graxos poli-insaturados e a biohidrogenação dos ácidos graxos poli-insaturados, que funciona como um dissipador de hidrogênio.

Contudo, o uso de lipídio na dieta é limitado a inclusões entre 3 e 4% da MS da dieta, não excedendo 6% para evitar depressão no consumo de MS. Para garantir a redução nas emissões de metano com a inclusão de lipídio na dieta é necessária inclusão continuada deste ingrediente na dieta; e pode variar em função do nível de suplementação, fonte de lipídio, forma de fornecimento (óleo ou semente) e o tipo de dieta.

Ionóforos

Os ionóforos são antimicrobianos tipicamente utilizados como aditivos em rebanhos comerciais de bovinos leiteiros e de corte, visando modular a ingestão de matéria seca (IMS) e aumentar a eficiência de produção de carne e leite. Esses antimicrobianos promovem alterações na população microbiana do rúmen, selecionando bactérias Gram-negativas, produtoras de ácido succínico ou fermentadoras de ácido lático, e inibindo Gram-positivas, produtoras de ácido acético, butírico, lático e também de H2.

lonóforos reduzem a produção de metano pelo incremento na proporção de propionato em relação ao acetato, redução no número de protozoários metanogênicos e pela redução na IMS.

A efetividade da monensina para reduzir a produção de metano é altamente variado e dependente de altas doses. Adição de 24 a 35 mg/kg de MS reduz a produção de metano em bovinos de corte e leite entre 4 e 13%. Pesquisadores encontraram grande variação na redução de metano, entre 4 e 31 %, em dietas baseadas em grãos e forragem com a adição de Ionóforos, e concluíram que o efeito deste aditivo é de curta duração e que as emissões de metano retomam a níveis normais após duas semanas.

Ácidos orgânicos

Os ácidos orgânicos (malato, fumarato e acrilato) têm sido utilizados como aditivos e representam uma alternativa ao uso de antimicrobianos na alimentação de ruminantes. Essas substâncias podem estimular a captação de lactato pelas bactérias Selenomonas ruminatium, atuar como tampões, prevenindo quadros de acidose rumina! em dietas ricas em concentrados energéticos e reduzir a disponibilidade de H2 no rúmen por atuarem como seus receptores para formação de succinato.

Contudo, os dados na literatura são inconclusivos sobre os efeitos destes ácidos na redução do metano entérico.

Extratos de plantas (taninos condensados, saponinas e óleos essenciais)

Há um grande interesse no uso de compostos secundários de plantas como estratégias de mitigação de metano. São vistos como alternativas naturais aos aditivos químicos que foram proibidos ou cujos efeitos sejam percebidos negativamente pelos consumidores. Várias plantas contêm compostos secundários que as protegem do ataque de fungos, bactérias, insetos e herbívoros. O efeito dessas moléculas sobre a metanogênese ruminal! é altamente variável.

Taninos condensados são compostos fenólicos secundários e variam muito na estrutura química, além disso, podem formar complexos com proteínas, reduzindo a degradação das proteínas das plantas no rúmen, e em menor grau podem estar ligados a íons metálicos e polissacarídeos. A atividade metanogênica dos taninos têm sido atribuída ao grupo de taninos condensados, pois os hidrolisáveis, embora tenham efeito sobre a metanogênese, são tóxicos para os animais.

A redução nas emissões de metano com o uso de tanino condensado é dependente da fonte do tanino e da espécie de ruminante. Os dados na literatura mostram reduções das emissões de metano variando de 8% a 12% para ovelhas e entre 2 e 3% para bovinos leiteiros e sem alterações significativas para bovinos de corte.

Saponinas são glicosídeos encontrados em muitas plantas, como Brachiaria decumbens e Medicago sativa e tem efeito direto sobre os microrganismos do rúmen, com inibição sobre protozoários ciliados, além de reduzirem a degradação da proteína, mas favorecerem ao mesmo tempo a síntese de proteína e biomassa microbiana.

Muitos estudos relatam a redução na produção de metano em experimentos in vitro, mas quando os estudos são conduzidos in vivo não são observadas diferenças significativas, tanto nas emissões de metano quanto na população de protozoários. O uso de saponina reduz a metanogênese em 8% e a população de protozoários em 50%.

Óleos essenciais são compostos aromáticos voláteis em plantas que são usadas devido as propriedades medicinais. As principais plantas promissoras na redução da metanogênese são a raiz de ruibarbo (Rheum nobile), Carduus pycnocephalus e Populus tremula L. Assim como as saponinas, a maioria dos trabalhos para testar o potencial do uso destas plantas sobre a metanogênese são estudos in vitro.

Leveduras

As leveduras são fungos unicelulares, especialmente do gênero Saccharomyces, e têm sido utilizadas como probióticos em dietas para melhorar o desempenho de ruminantes.

Os estudos do efeito de leveduras sobre a redução de metano são recentes e secundários. Pesquisas apontam para a seleção de cepas com a habilidade de reduzir a taxa de digestão da fibra que teria efeito secundário sobre a redução de metano entérico.

Alguns pesquisadores verificaram reduções de 10% na emissão de metano usando essas novas cepas.

O mecanismo de ação das leveduras sobre a redução de metano, ainda não está muito claro. A adição de leveduras ao ambiente ruminal pode aumentar o número de bactérias no rúmen e a partição de carboidrato degradado entre células microbianas e produtos da fermentação podem alterar a produção de hidrogênio.

Considerações Finais

A produção de metano entérico por ruminantes é inevitável, independente do sistema de produção animal. Assim, é necessário:
1. Construir sistemas de produção que produzam mais forragem e de melhor qualidade;
2. Garantir a manutenção da produtividade das pastagens e fazer o melhor manejo do pastejo para cada cultivar;
3. Investir em melhoramento genético do rebanho para se ter animais mais precoces e que ganhem mais peso.

Com isso, será possível produzir mais carne e leite na mesma área e reduzir a produção de metano por unidade de produto em um determinado tempo. Contudo, estratégias de mitigação devem ser utilizadas para reduzir as emissões de metano entérico, priorizando o aumento da produtividade e garantindo a sustentabilidade do sistema.

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* Baseado no artigo Emissão de metano entérico por bovinos: o que sabemos e que podemos fazer?, de MOMBACH, M. A.; PEDREIRA, B. C. e; PEREIRA, D. H.; CABRAL, L. da S.; RODRIGUES, R. de A. R., no Recuperação de Pastagens: Anais do 2º Simpósio de Pecuária Integrada.

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Fonte consultada:

Emissão de metano entérico por bovinos: o que sabemos e que podemos fazer?, de MOMBACH, M. A.; PEDREIRA, B. C. e; PEREIRA, D. H.; CABRAL, L. da S.; RODRIGUES, R. de A. R., no Recuperação de Pastagens: Anais do 2º Simpósio de Pecuária Integrada (https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/153352/1/2016-cpamt-pedreira-emissao-metano-enterico-bovinos-181-202.pdf)
 













 

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