Bem-estar animal: por que as pessoas continuam fazendo o que não funciona?

Postado em: 02/10/2019 | 5 min de leitura Escrito por:
*Artigo baseado em informações do livro “O bem-estar dos animais - Proposta de uma vida melhor para todos os bichos”, de Temple Grandin e Catherine Johnson, Editora Rocco.

Apesar das inúmeras informações sobre as vantagens do tratamento adequado das vacas e da garantia do seu bem-estar para os resultados da fazenda, ainda se vê com frequência práticas inadequadas, como tratamentos brutos dos animais. Se a brutalidade não funciona bem e é terrível para os animais, por que as pessoas continuam a usá-la?

Esse foi um questionamento feito pela especialista em bem-estar animal, Temple Grandin, uma das maiores autoridades globais nesse tema, com formação em zoologia e psicologia, com base nos seus quase 50 anos de experiência nessa área. Segundo ela, parte da resposta a essa pergunta é falta de informação. Ao longo de décadas de trabalho com fazendas norte-americanas, Grandin disse que percebeu que muitas delas não tinham conhecimento da maioria das pesquisas sobre o comportamento animal.

Porém, a realidade é que mesmo quando os administradores possuem conhecimento sobre o comportamento animal, a mudança é difícil. Não é raro encontrarmos produtores que dizem que têm dificuldade em dominar e aplicar os novos métodos de forma permanente na fazenda. Isso se deve ao fato de ser difícil promover mudanças de hábitos de forma permanente.

Grandin afirma que outro obstáculo é que, para ser um bom criador ou manejador de gado, é preciso reconhecer que o animal é um ser consciente, que tem sentimentos e algumas pessoas não pensam dessa forma. Isso, segundo ela, ocorre inclusive entre veterinários e pesquisadores. É preciso ter cuidado para não ver o animal como uma “máquina viva”, feita de “pecinhas químicas”, afirma a especialista. Os pesquisadores e tratadores de animais devem olhar para o animal inteiro.

Outro fator importante é a rotatividade de pessoal. A taxa normal de demissões nos EUA é de 15% ao ano e poder ser muito mais alta em fazendas, com pesquisas australianas apontando para algo em torno de 50% de pedidos de demissões no setor rural. Se metade da força de trabalho se demite a cada seis meses, é necessário criar um programa de treinamento intensivo para os novos contratados e é preciso ter uma fiscalização constante do desempenho do pessoal.

Outro fator importante é que a prática mostra, segundo Grandin, que as pessoas acham mais difícil aplicar os métodos positivos do que os negativos. As emoções básicas ajudam a entender por que isso ocorre. O manejo de animais não domesticados, não treinados, é frustrante, porque eles não sabem o que se espera que façam e a frustração é uma forma branda de raiva. Portanto, a não ser que a pessoa seja especialista no manejo calmo do gado, o ambiente de uma fazenda, de uma produtora de laticínios ou de um matadouro irá ativar naturalmente o sistema raiva no cérebro da pessoa. Por isso, é tão fácil uma pessoa explodir com um animal (ou com crianças pequenas). Ter raiva diante de situações frustrantes é natural.

A personalidade e o temperamento do indivíduo determinam a intensidade da ativação do sistema raiva num vaqueiro lidando com gado não domesticado. Um estudo mostrou que vacas manejadas por vaqueiros “introvertidos e confiantes” davam maior quantidade de leite.

As pessoas confiantes têm mais emoções positiva do que as deprimidas e inseguras, tendo também maior tolerância à frustração. Os achados desse estudo, de que vaqueiros introvertidos tinham gado mais produtivo, deve-se provavelmente ao fato de que as pessoas introvertidas são naturalmente mais caladas do que as extrovertidas. O gado prefere um manejo silencioso.

Os administradores deveriam contratar pessoas de personalidade confiante sempre que possível e melhorar o ambiente de trabalho, distribuindo todas as recompensas possíveis para um bom tratamento dos animais. Isso foi realizado algumas vezes na indústria aviária e suína, mas precisa ser feita para o gado também.

Outro fator que os gestores devem considerar é a fadiga dos empregados. Dados não publicados colhidos entre equipes de embarque de suínos e frangos mostram que, após seis horas de trabalho, as pessoas se cansam e o número de ferimentos e mortes de animais aumenta. A fadiga significa redução da função do lobo frontal e isso leva à diminuição da capacidade de regular as emoções. A pior situação que pode ocorrer em uma fazenda é ter uma equipe reduzida e cansada.

Manejo da emoção das pessoas

Grandin diz que quando começou a trabalhar com bem-estar animal, na década de 1970, achava que poderia resolver tudo com tecnologia, sem pensar sobre o manejo do comportamento e da emoção do pessoal. Porém, após mais de 30 anos de trabalho ela entendeu que cerca de 20% dos empregados podem manter voluntariamente um bom manejo do gado, mas o resto precisa de incentivos, porque o bom tratamento vai contra a natureza deles.

Evitar o tratamento brutal é tão difícil quanto controlar a velocidade de carros em vias expressas. É preciso monitoramento e vigilância constantes. Muitos dos funcionários que não tratam bem os animais não o fazem porque não tiveram o aprendizado e a prática necessários para lidar com os animais de modo que seu próprio sistema de raiva não seja superativado ou não têm uma fiscalização contínua para que apliquem sempre as técnicas de bom manejo que aprenderam.

Os vaqueiros têm que lidar com o gado e os administradores das indústrias e os fazendeiros têm que trabalhar com eles. Para lidar com os vaqueiros, os administradores precisam oferecer bom ambiente de trabalho, bom treinamento e fiscalização permanente.

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