Efeitos do fornecimento de forragem com diferentes processamentos do milho para bezerros
Por Carla Maris Machado Bittar e Ariany Faria de Toledo
Artigo publicado anteriormente no site MilkPoint.
O rúmen dos bezerros deve estar parcialmente desenvolvido para o desaleitamento, de forma que os animais sejam capazes de digerir alimentos sólidos e assim manter suas taxas de crescimento. O desenvolvimento físico e metabólico é de grande importância para que essa transição da fase de pré-ruminante para ruminante funcional ocorra de forma branda, sem causar grandes estresses para o animal (Khan et al., 2016).
Os alimentos sólidos, quando fornecidos desde os primeiros dias de vida, podem afetar de forma positiva o desenvolvimento ruminal de várias formas:
1) induzindo o estabelecimento precoce de um ecossistema microbiano (Baldwin et al., 2004);
2) aumentando os produtos de fermentação ruminal, isto é, ácidos graxos de cadeia curta (AGCC); e
3) desencadeando o desenvolvimento do epitélio ruminal. Dietas que promovem a produção de AGCC, principalmente dos ácidos butírico e propiônico, estimulam a atividade metabólica do epitélio ruminal, acelerando a maturação deste órgão (Bittar, 2009), o que permite o desaleitamento mais cedo, sem perdas nas taxas de crescimento.
O alimento sólido, seja concentrado, feno ou ambos, resulta em alterações marcantes nos compartimentos do trato digestório dos bezerros (rúmen-retículo, omaso e abomaso). Dos alimentos concentrados para bezerros, o milho é o principal ingrediente energético das rações, com inclusão nos concentrados em torno de 60% (Nussio et al., 2003), tendo em vista que 72% do grão de milho é composto por amido.
Devido à limitada digestão do amido no milho, com o intuito de melhorar a digestibilidade no período de aleitamento, vários métodos de processamento, como a floculação a vapor, laminação a vapor, laminação a seco e moagem, vem sendo aplicados. No entanto, os dados sugerem que grãos superprocessados e gelatinização extensa de amido podem desencadear a rápida produção de ácidos e perturbar a fermentação ruminal, causando respostas de menor desempenho dos bezerros (Lesmeister e Heinrichs, 2004).
Porter et al. (2007) relataram que fornecer alimentos concentrados contendo partículas grandes adequadas (80% de partículas > 1,19 mm), com tamanho médio de partícula de aproximadamente 2 mm ou maior, poderia melhorar a saúde ruminal, resultando em maior ganho médio diário (GMD). Todavia, ainda não está claro na literatura que se aumentar o tamanho de partícula inicial para aproximadamente 2 mm, sem fornecer forragem, é suficiente para manter a saúde ruminal quando alguns métodos de processamento de grãos são aplicados.
Desta forma, um estudo recente conduzido por Mojahedi et al. (2018), teve como objetivo elucidar os efeitos de 2 métodos de processamento do milho (moagem ou a floculação a vapor), o fornecimento ou não de feno de alfafa e a interação entre os dois fatores, nas fases de aleitamento e pós-desaleitamento, sobre o desempenho de bezerros leiteiros.
Para condução do experimento, 60 bezerros Holandeses com peso médio de 41,4 Kg foram separados de suas mães ao nascimento, pesados e transferidos para baias individuais. Após o nascimento, os animais receberam 4 litros de colostro nas primeiras 6 horas de vida, sendo alimentados continuamente com leite de transição durante os dois primeiros dias de vida. A partir do 3° dia de vida, os bezerros receberam leite pasteurizado duas vezes ao dia (50% manhã e 50% tarde), utilizando o protocolo de aleitamento “step up/step down”, com o fornecimento de 4 litros de leite do dia 3 ao dia 14; 5 litros de leite do dia 15 ao 21; 7 litros do dia 22 ao dia 42; 5 litros do dia 43 ao 50; 2 litros do dia 51 ao 53; e 1 litro de leite do dia 54 ao 56 do estudo.
Com 3 dias de idade os bezerros foram distribuídos aleatoriamente em 4 tratamentos em arranjo fatorial 2 x 2, sendo os fatores a inclusão de feno de alfafa (FA) como fonte de fibra efetiva (0 ou 10% na MS) e o processamento do milho triturado (MT) ou floculado a vapor (MF), dando origem aos seguintes tratamentos:
1. milho floculado a vapor sem feno de alfafa (MF-NO);
2. milho floculado a 10% com feno de alfafa (ML-FA);
3. milho triturado sem feno de alfafa (MT-NO);
4. milho triturado com 10% de alfafa (MT-FA).
Os ingredientes e a composição de nutrientes da ração inicial são dados na Tabela 1. Todos os bezerros foram desaleitados aos 56 dias e foram acompanhados até os 70 dias de vida, quando se encerrou o experimento.
Tabela 1. Ingredientes e composição das dietas experimentais contendo milho floculado ou quebrado, com ou sem feno de alfafa.
A ingestão do concentrado foi semelhante entre os bezerros alimentados com dietas à base de milho triturado (MT) ou milho floculado (MF), suplementados ou não com feno de alfafa durante os períodos de aleitamento e pós-desaleitamento.
Foi observada interação significativa entre tratamento e semana de vida dos animais para o GMD e a eficiência alimentar (EA) dos bezerros. Considerando-se o período total, o maior GMD foi observado para animais suplementados com feno somente quando este foi associado ao milho floculado. Quando o milho foi triturado, o melhor GMD foi observado sem a suplementação com feno, sugerindo que para o menor grau de processamento a fibra suplementar não parece tão importante. Já na semana do desaleitamento (8ª semana), a suplementação com forragem, independentemente do processamento do milho, resultou em maior GMD (0,982 vs. 0,592, respectivamente; P < 0.01) e EA (0,714 vs. 0,514, respectivamente; P < 0.05).
Tabela 2. Consumo, ganho médio diário e eficiência alimentar de bezerros alimentados com as dietas experimentais.
A Tabela 3 apresenta o tempo total dedicado à realização de cada comportamento registrado, 2 semanas antes e 2 semanas após o desaleitamento. O método de processamento de milho, a oferta de forragem, ou a interação entre os fatores, não afetou o tempo dedicado em pé, deitado ou se alimentando (P > 0,10). Independentemente dos efeitos do método de processamento de milho, o tempo de ruminação tendeu a aumentar (48,5 vs. 38,5, respectivamente; P < 0,10), e os comportamentos não nutricionais tenderam a diminuir (55,0 vs. 70,5; respectivamente; P < 0,10) em bezerros suplementados com forragem em comparação com bezerros não suplementados.
Tabela 3. Comportamento de bezerros alimentados com as dietas experimentais.
Os resultados dos parâmetros de fermentação ruminal avaliados aos 35 e 70 dias são mostrados na Tabela 4. Com relação ao período total experimental, os resultados não mostraram interações entre os métodos de processamento de milho e suplementação de forragem. O pH ruminal foi maior nos bezerros suplementados com feno de alfafa quando comparado aos não suplementados (P < 0,01) durante o período pós desaleitamento. Por outro lado, as concentrações de ácido propiônico foram maiores para animais não suplementados com feno de alfafa (P < 0,05), o que pode beneficiar o desenvolvimento ruminal.
Tabela 4. Parâmetros de fermentação ruminal em bezerros alimentados com as dietas experimentais.
As dietas contendo diferentes processamentos de milho continham grandes quantidades de partículas grosseiras (mais de 67% de partículas maiores que 1,18 mm). Entretanto, o MF continha quantidade considerável de amido gelatinizado (44,1% do total de amido), resultando em maior fermentabilidade ruminal (Richards e Hicks, 2007). Apesar do aumento da eficiência na utilização de alimentos, um nível tão grande de amido fermentável exige fontes mais eficazes de partículas para prevenir a acidose ruminal e a paraqueratose epitelial para não prejudicar a absorção de AGCC (Coverdale et al., 2004). No presente experimento, os bezerros que receberam FA com dietas à base de MF, mostraram melhora no GMD no período de pré-desaleitamento.
Os resultados do presente estudo mostram que a inclusão de feno, independentemente do método de processamento de milho, resultou em aumento do tempo de ruminação e redução do comportamento oral não nutritivo, bem como, possivelmente, melhora no ambiente ruminal, como observado pelo maior pH ruminal nesses bezerros no período de pós-desaleitamento. A suplementação de forragem para bezerros alimentados com dietas com maior disponibilidade de amido resulta em maior fermentabilidade do amido em comparação com o milho triturado, bem como melhor desempenho e crescimento no desaleitamento e no período total.
Em outras palavras, é importante ressaltar a necessidade da inclusão de fibra efetiva eficaz quando se utiliza grão processado (triturado ou floculado), para promover um ambiente ruminal mais estável, mantendo o consumo de ração, o desempenho e o crescimento desses animais.
Referências bibliográficas
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Bittar, C.M.M., Ferreira, L.S., Santos, F.A.P., Zopollatto, M., 2009. Performance and ruminal development of dairy calves fed starter concentrate with different physical forms. Revista Brasileira De Zootecnia 38, 1561-1567.
Coverdale, J. A., H. D. Tyler, J. D. Quigley III, and J. A. Brumm. 2004. Effect of various levels of forage and form of diet on rumen development and growth in calves. J. Dairy Sci. 87:2554–2562.
Khan, M. A., A. Bach, D. M. Weary, and M. A. G. von Keyserlingk. 2016. Invited review: Transitioning from milk to solid feed in dairy heifers. J. Dairy Sci. 99:885–902.
Lesmeister, K. E., and A. Heinrichs. 2004. Effects of corn processing on growth characteristics, rumen development, and rumen parameters in neonatal dairy calves. J. Dairy Sci. 87:3439–3450.
Mojahedi M. Khorvash, G. R. Ghorbani, E. Ghasemi, M. Mirzaei, and F. Hashemzadeh-Cigari. 2018. Performance, nutritional behavior, and metabolic responses of calves supplemented with forage depend on starch fermentability. J. Dairy Sci. 101,1:12.
Nussio, C. M. B, Santos, F.A.P., Zopollatto, M., Pires, A.V., Morais, J.B.,
Porter, J. C., R. G. Warner, and A. F. Kertz. 2007. Effect of fiber level and physical form of starter on growth and development of dairy calves fed no forage. Prof. Anim. Sci. 23:395–400.
Richards, C. J., and B. Hicks. 2007. Processing of corn and sorghum for feedlot cattle. Vet. Clin. North Am. Food Anim. Pract. 23:207–221.
Comentários
O fornecimento de feno ainda é bastante polêmico entre técnicos e a comunidade científica. Por um lado o feno auxilia no controle do pH ruminal, importante para a manutenção de sua saúde e consequente manutenção do consumo de dieta sólida. Por outro, pode reduzir o consumo de nutrientes, quando resulta em substituição do consumo de concentrado, além de ter padrão de fermentação que não beneficia o desenvolvimento ruminal. A sugestão de fornecimento de feno vem sendo realizada hoje como parte do concentrado inicial, fazendo com que tenhamos uma dieta completa ou dieta total, assim como fazemos para animais adultos. Assim, o fornecimento deve ser feito com sua inclusão na dieta sólida e não à vontade, em separado. Muito trabalhos vêm mostrando consumos ótimos com inclusão de feno de gramíneas na taxa de 5% da MS do concentrado. No presente trabalho, a inclusão de 10% de feno de alfafa trouxe benefícios para o desempenho dos animais, principalmente quando o milho foi floculado. Quando a inclusão é maior, a fonte de fibra deve ser de maior qualidade, de outra forma o consumo de nutrientes será reduzido, prejudicando o desempenho assim como o desenvolvimento ruminal.
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