Mamar do balde: eles aprendem rápido!

Postado em: 27/12/2018 | 6 min de leitura Escrito por:

Por Carla Maris Machado Bittar e Ariany Faria De Toledo

Artigo publicado anteriormente no site MilkPoint.

Ao nascerem, os bezerros não têm o rúmen funcional e suas características diferem de um ruminante adulto, não sendo capazes de digerir alimentos sólidos como concentrados ou volumosos. Por outro lado, apresentam reflexo para mamar e todas as condições fisiológicas e bioquímicas para utilizar o leite como fonte de energia nas primeiras semanas de vida.

Desta forma, a fase de aleitamento merece uma atenção redobrada, seja ela natural ou artificial. No aleitamento natural, o bezerro obtém o leite mamando diretamente na vaca. Este sistema é adotado normalmente em propriedades cujo plantel é formado por vacas não especializadas para a produção de leite, as quais requerem a presença do bezerro para permitirem a ordenha. A recomendação técnica é de também deixar o bezerro ao pé da vaca quando sua produção for menor que 8L/d.

Todavia, em sistemas mais tecnificados e com rebanho com maior produção média diária de leite, recomenda-se o aleitamento artificial. Este sistema permite racionalizar o manejo dos animais, ordenhar as vacas com mais higiene e controlar a quantidade de leite ingerida pelo bezerro, seja para o fornecimento de maiores volumes ou pra a volumes mais restritos com vistas ao desaleitamento precoce.

Essa técnica consiste em fornecer a dieta líquida em baldes, pois os mesmos são considerados mais fáceis de limpar do que baldes com bicos ou mamadeiras, facilitando a assepsia e evitando contaminações no lote (Quigley, 1997). Porém, a utilização do mesmo no aleitamento requer treinamento do animal por pessoas atenciosas, que ensinam o bezerro a sugar o leite lentamente do balde. Para isso, o animal é induzido a sugar o dedo ou um bico, e então a mão é introduzida no balde e quando houver a sucção, o dedo é, lentamente, retirado (Figura 1).

Figura 1. Esquema de treinamento de bezerros para o consumo de dieta liquida fornecida no balde.

Apesar de ser uma prática usual, o tempo adequado para ensinar um bezerro normal e saudável a beber no balde ainda é desconhecido e fatores que poderiam tornar o processo mais lento ainda não foram identificados. Em um estudo realizado pela Universidade de Washington, com intuito de mensurar o tempo de treinamento no balde, dois fatores que influenciam o processo foram identificados, como o tipo de parto e a colostragem (aspectos que contribuíram fortemente para um treinamento mais rápido ou tardio).

O tipo de parto afeta diversos fatores fisiológicos no animal. Animais provenientes de partos assistidos ou severamente distócicos tem baixa vitalidade, tornando-se menos propensos a ficar de pé e andar nas primeiras 3h de vida (Murray e Leslie, 2013). Dentre outros fatores listados que contribuem para uma baixa vitalidade no nascimento podem ser citados a hipoxia neonatal e acidose (Szenci et al., 1988), trauma físico e fraturas (Ferguson, 1994) e pneumonia por aspiração (Lopez e Bildfell, 1992), fatores que podem afetar a absorção de colostro e assim a transferência de imunidade passiva.

Como a distocia e outros fatores têm efeitos na vitalidade e na saúde dos bezerros, é possível observar efeitos no apetite do neonatal dentro da primeira semana de vida ou capacidade de aprender a beber no balde. 

Um estudo realizado em uma grande fazenda comercial nos EUA em 2016, avaliou por um período de 12 semanas um total de 1235 bezerros, incluindo fêmeas e machos. Os funcionários da fazenda foram treinados a pontuar o parto de acordo com a facilidade de parto:

1 = parto normal;
2 = alguma assistência, ou;
3 = parto difícil, tracionamento severo.

Outras informações coletadas foram o sexo do bezerro, a paridade da  vaca (primíparas ou multíparas) e o nascimento de gêmeos. Cerca de 51,4% dos bezerros eram provenientes de novilhas primíparas e 56,2% de vacas multíparas. Em torno de 10% nasceram gêmeos e a maioria dos bezerros (94%) tinha apresentação frontal para o nascimento.

A partir do segundo dia de vida, os bezerros receberam  2 litros de leite integral  no balde, duas vezes ao dia. As observações para a necessidade de assistência para beber do balde foram feitas imediatamente após o balde ter sido preenchido. Quase 60% (n = 724) dos bezerros consumiram sua parcela de leite matinal (2 L) após 3 dias de vida com assistência (Figura 2) com uma média de 3,4 dias (SD = 0,87). 

Figura 2. Proporção dos bezerros (n = 1.235) que consumiram toda parcela da dieta líquida (2L) fornecida no balde no período da manhã ao longo dos dias (adaptado de Mandel et al., 2017).

A atitude e a postura dos bezerros foram observadas antes do aleitamento do período da manhã e foram resumidas em um intervalo de 2 a 7 dias de vida. Cerca de 25%, 7.203 dos bezerros, necessitaram de assistência durante a alimentação com a dieta líquida nesse período. A maior parte desses animais que contaram com alguma assistência não terminou a parcela de leite na primeira semana de vida.

Bezerros que pareciam alertas, mas permaneciam deitados, tinham 2,43 vezes mais chances de precisar de assistência no aleitamento matinal. Já bezerros que pareciam deprimidos antes do aleitamento matinal tinham 4 vezes mais chances de precisarem de assistência, em comparação com bezerros que estavam alertas em pé.

Com base nesses dados, 3 dias foi considerado como o tempo "normal" para completar o treinamento bem sucedido no balde. Apesar disso, a probabilidade de requerer assistência na alimentação matinal após 3 dias de vida incluiu o número de partos, o sexo do bezerro e o nascimento de um gêmeo (Tabela 1).

"Em geral, bezerros que serão aleitados artificialmente, via balde, requerem treinamento com mão de obra qualificada e atenciosa. Compreender os requisitos de tempo e os riscos e fatores que levam a um treinamento mais longo podem ajudar os produtores a se adaptarem às necessidades do bezerro, garantindo que o animal consuma sua parcela da dieta líquida com sucesso, promovendo crescimento e condições de saúde adequadas".

Tabela 1. Fatores associados com a probabilidade de bezerros necessitarem de assistência no aleitamento a partir do 3° dia de vida. 

Bezerros nascidos de novilhas apresentaram uma tendência em serem mais propensos a precisar de assistência no aleitamento em comparação com bezerros nascidos de vacas (P = 0,07). Com relação à comparação entre sexo dos bezerros, as fêmeas foram 1,5 vezes menos propensas a precisar de assistência após 3 dias em comparação com os machos (P = 0,002), sugerindo maior vigor das fêmeas. Os bezerros gêmeos tiveram quase o dobro da chance de requerer assistência alimentar após 3 dias de vida comparando com partos únicos (P = 0,01).

Em geral, bezerros que serão aleitados artificialmente, via balde, requerem treinamento com mão de obra qualificada e atenciosa. Compreender os requisitos de tempo e os riscos e fatores que levam a um treinamento mais longo podem ajudar os produtores a se adaptarem às necessidades do bezerro, garantindo que o animal consuma sua parcela da dieta líquida com sucesso, promovendo crescimento e condições de saúde adequadas.

Referências bibliográficas: 

C. Mandel,* A. Adams-Progar,† W. M. Sischo,* and D. A. Moore*1 Department of Veterinary Clinical Sciences, and Department of Animal Sciences, Washington State University, Pullman 99164 (J. Dairy Sci. 100:1–6 https://doi.org/10.3168/jds.2017-13208).

Quigley, J. D. 1997. Raising replacement heifers from birth to weaning.Proc.15th Western Canadian Dairy Seminar. University of Alberta. Accessed Jul. 3, 2017. https:// wcds .ualberta .ca/ Portals/138/ Documents/ Archive/ 1997/ ch21 -97 .htm.

USDA. 2016. Dairy 2014, dairy cattle management practices in the united states, 2014. Pages 132–133. Usda–aphis–vs–ceah–nahms. Fort collins, co. #692.0216.

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