Você já adequou seu manejo para as novas recomendações de colostragem?
Postado em: 30/07/2020 | 8 min de leitura
Escrito por:
Artigo publicado anteriormente no site MilkPoint.
Por Carla Maris Machado Bittar
A colostragem adequada é um dos aspectos mais importantes para o sucesso na criação de fêmeas leiteiras de reposição e, consequentemente, para evolução genética dos rebanhos. A transformação de bezerras em vacas está associada à inúmeros eventos. No entanto, se a colostragem não for bem feita, as taxas de mortalidade sobem e as bezerras que sobrevivem não se tornam vacas de alta produção, devido à ocorrência de doenças e às baixas taxas de crescimento normalmente observadas.
As bezerras recém-nascidas são animais desprovidos de anticorpos, devido ao tipo de placenta dos ruminantes, e, por isso, dependem do consumo de colostro para as defesas no início da vida. Além disso, ao nascer, este animal sofre uma série de alterações metabólicas, muitas das quais vão exigir “combustível metabólico”, que num primeiro momento é exatamente o colostro, um alimento rico em gordura e proteína. Muitos textos desta coluna já trataram dos principais aspectos da colostragem, mas não custa repetir: tempo de fornecimento, volume de fornecimento e qualidade do colostro. A qualidade de colostro foi durante muito tempo somente avaliada em função das concentrações de anticorpos (IgG), mas é importante que sua carga bacteriana também seja considerada.
Muito embora se tenha uma ideia de que o colostro é importante para o início da vida das bezerras, devido aos efeitos mais imediatos relacionados a transferência de imunidade passiva e proteína e energia (o combustível metabólico), a colostragem tem também muitos efeitos de longo prazo. Vários trabalhos de pesquisa já demonstraram que existem altas correlações entre eficiência de colostragem e redução da mortalidade após o desaleitamento, aumento nas taxas de crescimento, redução na idade ao primeiro parto, aumento na produção na primeira e segunda lactação, além de menor risco de descarte na primeira lactação. Embora muitos destes trabalhos já sejam antigos (décadas de 80 e 90), somente por volta de 2005 este efeito da colostragem em longo prazo chamou realmente a atenção, em virtude dos efeitos na maior produção de leite (Faber et al., 2005).
Estes efeitos têm grandes impactos nas planilhas de custo dos rebanhos, já que os animais em crescimento são considerados improdutivos, pois não trazem retorno financeiro imediato, sendo um investimento de longo prazo. A medida que estes efeitos são observados, tem-se maior número de fêmeas de reposição no rebanho, havendo possibilidade de venda de animais; menor idade ao primeiro parto, com retorno financeiro sendo alcançado em idades mais jovens; e maior produção de leite, que é o que realmente vai pagar as contas.
De acordo com um grande levantamento em rebanhos americanos, animais com concentração de anticorpos > 10 mg/mL apresentam menor taxa de mortalidade (USDA, 1993, Figura 1). Por isso, até pouco tempo atrás, para considerar a colostragem como adequada, a concentração de anticorpos dos animais deveria estar entre 10-15 mg/mL. No entanto, fica claro para qualquer produtor que, em algumas situações, a taxa de mortalidade é baixa, mas a taxa de morbidade (% de bezerros doentes) é alta, o que vai impactar fortemente naqueles efeitos de longo prazo. Assim, recentemente foi feita uma sugestão de revisão das recomendações de colostragem.
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Figura 1. Sobrevivência de bezerras durante o período de aleitamento, de acordo com a concentração de IgG sérica (USDA, 1993).
As recomendações de colostragem em termos de tempo de fornecimento eram de que o animal deveria receber colostro até no máximo 6h após o nascimento, pois neste período o intestino tem maior capacidade de absorção de anticorpos. Após estas 6h, esta capacidade vai sendo reduzida, até que por volta de 18-24h o intestino não absorve mais estas grandes moléculas. Quanto ao volume de fornecimento, a recomendação era de que deveria ser de 10% do peso ao nascer da bezerra, ou seja, bezerras nascidas com 40 kg, deveriam receber 4L de colostro.
A concentração mínima de IgG para que o colostro fosse considerado de qualidade era de 50 mg/mL e deveria ter menos que 100.000 UFC/mL. A combinação da qualidade e do volume ingerido deveria resultar em uma dose entre 150-200g de IgG, muito embora alguns trabalhos mostrem que de 100 a 150g de IgG seriam suficientes.
Mesmo com todas estas recomendações disponíveis já há algum tempo, por meio de treinamentos, cursos, palestras e “lives”, ainda existe muita ineficiência no processo. Muitos produtores ainda lidam com o grande fantasma da falha na transferência de imunidade passiva, levando a altas taxas de mortalidade e/ou morbidade, o que aumenta o custo de produção do rebanho e traz grande frustração ao produtor e aos tratadores. Mesmo em propriedades bastante focadas na criação de bezerras leiteiras, ainda existe espaço para melhoria na eficiência de colostragem.
Assim, além de haver necessidade de correção dos protocolos nas fazendas com baixa eficiência de colostragem, existe uma janela de oportunidade para melhorar ainda mais os índices nas fazendas com alta eficiência. Lembre-se que a colostragem tem efeitos fantásticos de longo prazo! Muito mais eficientes no aumento da produção e permanência do animal no rebanho do que qualquer pozinho de pirlimpimpim... Vale a pena!
A avaliação dos dados de um outro levantamento (USDA, 2016) mostrou que a chance de animais apresentarem doenças é bastante reduzida à medida que se aumenta a concentração de anticorpos na recém-nascida (Figura 2). Assim, se considerarmos a recomendação de 10-15 g/L (mg/mL), temos um bezerreiro com maior probabilidade de apresentar alta taxa de morbidade. Quando se eleva estes valores para 25 g/L, esta probabilidade é bastante reduzida e parece lógico pensar que os efeitos em longo prazo deverão atuar de forma mais homogênea em todos os animais.
Figura 2. Probabilidade de não adoecer de acordo com a concentração sérica de IgG para bezerras em aleitamento no estudo da NAHMS de 2014 (Adaptado de Godden et al., 2019).
Assim, as recomendações de colostragem foram revistas recentemente por um grupo de pesquisadores que trabalha há muitos anos com o assunto (Godden et al., 2019; Lombard et al., 2020; resumo na Tabela 1). Nesse novo consenso sobre o protocolo de colostragem, recomenda-se o fornecimento nas duas primeiras horas após o nascimento, o que gera uma demanda de maior visualização da maternidade e até ronda noturna.
A dose de IgG consumida passou dos 150-200 g para mais que 300 g de IgG, o que deve ser conseguido através de uma refeição adicional de colostro. Assim, além dos 4 L (10% peso ao nascer) na primeira refeição (2h após o nascimento), a bezerra deve receber mais 2L de colostro (5% Peso ao nascer) no período de até 6-8h após o nascimento. O conceito de qualidade continua sendo como aquele colostro com IgG superior a 50 mg/mL e menos que que 100.000 UFC/mL, muito embora já existam indicações de que o ideal fosse fornecer colostro com mais de 80 mg/mL e menos de 50.000 UFC/mL.
Tabela 1. Mudanças nas recomendações do protocolo de colostragem de bezerras recém-nascidas.
Esta nova proposta sugere que a avaliação da transferência de imunidade passiva – normalmente realizada nas fazendas utilizando-se um refratômetro de Brix – seja feita em nível de rebanho e não simplesmente de forma individualizada. Embora o conceito de adequada transferência de imunidade ainda esteja atrelado a um valor de brix na bezerra (>8,4%), a ideia é que a maior parte dos animais esteja com valores acima de 8,9% (Tabela 2), de forma a reduzir as taxas de mortalidade e principalmente de morbidade no bezerreiro.
Embora o padrão ouro americano sugira que 12 bezerras sejam amostradas, o ideal é que um grande número de animais tivesse seu sangue coletado e avaliado e que a propriedade fizesse avaliação da distribuição nas diferentes categorias. Assim, sugere-se que o bezerreiro não tenha ou tenha muito poucos animais na faixa considerada ruim (<8,1% brix), poucos animais na faixa regular, e a maior parte dos animais avaliados (>70 % das bezerras) nas faixas boa e excelente (acima de 8,9 e 9,4% Brix, respectivamente).
Tabela 2. Categorias propostas para avaliação da transferência de imunidade passiva em nível de rebanho (bezerreiro)
Buscar melhorias na colostragem dos animais é sempre um dos focos de qualquer propriedade leiteira. Reduzir mortalidade e morbidade, e ainda conseguir menor idade ao primeiro parto e aumentos em produção de leite, são benefícios que estão associados a esta prática. Invista seu tempo nos cuidados com a recém-nascida, elas vão te pagar por este investimento durante o período de crescimento, ficando menos doentes e apresentando maiores taxas de ganho e produzirão mais leite já na primeira lactação.
Referências
Godden, S. 2008. Colostrum management for dairy calves. (Dairy heifer management.). Veterinary Clinics of North America, Food Animal Practice 24:19-39. doi: 10.1016/j.cvfa.2007.10.005
Godden, S. M., J. E. Lombard, and A. R. Woolums. 2019. Colostrum management for dairy calves. Vet. Clin. North Am. Food Anim. Pract. 35:535–556. https: / / doi .org/ 10 .1016/ j .cvfa .2019 .07 .005.
J. Lombard, N. Urie, F. Garry, S. Godden, J. Quigley, T. Earleywine, S. McGuirk, D. Moore, and others0Consensus recommendations on calf- and herd-level passive immunity in dairy calves in the United States. Journal of Dairy Science. In Press. https://doi.org/10.3168/jds.2019-17955.
USDA. 1993. Transfer of maternal immunity to calves. National Dairy Heifer Evaluation Project. USDA-Animal and Plant Health Inspection Service (APHIS)-Veterinary Services (VS)-Center for Epidemiology and Animal Health (CEAH), Fort Collins, CO. https: / / www .aphis .usda .gov/ animal health/nahms/ dairy/ downloads/ ndhep/ NDHEP Immunity .pdf.
USDA. 2016. Dairy 2014: Dairy cattle management practices in the United States, 2014. USDA-Animal and Plant Health Inspection Service (APHIS)-Veterinary Services (VS)-Center for Epidemiology and Animal Health (CEAH), Fort Collins, CO. 12, 2020. https: / / www .aphis .usda .gov/ animal health/ nahms/ dairy/ downloads/ dairy14/ Dairy14 dr PartI 1 .pdf.